É esse corpo úmido

Dheyne de Souza

 

É esse corpo úmido que desliza rugoso na cidade aflita. E toda essa janela turva que esconde o ócio das lâmpadas no dia. O trânsito as imagens o olho apagado como um abajur dormente. Os móveis com os seus sonhos roncando no pó. Os dedos com os seus rastros no musgo do medo. O muro detido no ombro, o mundo acendendo velas, os pés contornando as horas.

É essa maldição de rumos prontos na estrada. A inconstância do desejo nas ruas escuras. A esquina dos vultos nos copos bêbados de verbo. O grito da fome que pesa no ventre já farto. É essa cidade que morre no por do sol dos seios.

E ali, pousado no ocre, o cume de um beijo. Um acalanto para esse tempo exangue, esse mundo indócil, essa mão pendida.

É a tua pele abano no meu porão de esteios. O teu abraço linha nas sílabas tintas do meu desassossego. O teu olhar lençol, minha lira no sabor do passo. O teu calor balanço no colo das noites. É o teu hálito a sombra dos escudos áridos, a tua voz o líquido que dança minha pele, o entrelaço de nós nas bordas desse céu aparte.